terça-feira, 11 de agosto de 2009

A menina e a xícara.

Havia uma menina... Havia uma menina e uma xícara quadrada, grande e da cor amarela com gatinhos espalhados aleatoriamente nas cores rosa, preto e roxo.
A menina amava aquela xícara, usava no café da manhã, no almoço e até mesmo na janta.
Ela a levava para todos os lugares em que ia mesmo não podendo fisicamente. Afinal o que pensariam as pessoas se a visse sempre carregando uma xícara para cima e para baixo? Então ela às vezes a encaixava em seu coração sempre que havia uma oportunidade de encaixa – lá, por mais tolo que fosse o momento de sua vida, ela o fazia. O fazia porque sentia que tinha de fazer, ela precisava daquela xícara, todos os dias, a cada hora. Era como se, sem ela, a menina não pudesse ser ela mesma. Era como uma parte chave que se encaixava perfeitamente, e ela tendo aquilo que a completava de todas as formas, sentia-se bem e feliz, mesmo que nada mais no mundo lhe restasse, mesmo se outras coisas que ela amava quase tanto quanto a xícara desaparecessem ou morressem, estaria tudo bem. Estaria tudo bem se a xícara ainda estivesse com ela.
Algumas vezes acontecia da menina deixá-la cair, algumas vezes acontecia da própria xícara cair por vontade própria.
A menina não gostava disso, não gostava quando ela caia por vontade própria porque era como se a xícara estivesse tentando ir embora, mais ela não poderia ir. Poderia?
Sim, poderia.
A xícara passou a se jogar e cair cada vez mais fundo por mais vezes. A cada queda, era como se a xícara andasse para fora de seu suposto encaixe, assim como quando há algo por sobre a mesa e batemos, batemos, e a coisa anda, anda, até que... cai.
Mais a menina não estava batendo, pelo menos não diretamente, na verdade ela batia porque queria que a xícara parece de cair.
As coisas já não eram mais como antes, a menina por algumas vezes sentia um estranho e forte impulso dela mesmo jogar a xícara de uma vez, mais esse pensamento era apagado instantaneamente, a menina não podia viver sem a xícara, a xícara era seu par, a xícara era sua vida.
As quedas continuaram, continuaram e chegaram a um ponto em que se fossem baixas ou altas, a diferença era a mesma, doía do mesmo jeito para a menina, e para a xícara também, pensam que não?
Doía para a xícara machucar a menina, mais ela não queria fazer parte daquilo, a menina não significava para a xícara o mesmo que ela significava para a menina.
Então ambas viviam infelizes, uma tentando procurar dores na outra, dores diferentes.
A menina queria que a xícara sentisse sua falta quando ela não estava por perto toda vez que se jogava. A xícara queria que a menina parece de tentar impedir, e a deixasse livre de uma vez por todas.
Mais a xícara era egoísta, ela queria sair do encaixe, mais também queria permanecer ao lado. E a menina não suportaria a ver fora dela, não suportaria a ver dentro de outro alguém.
Então ninguém se movia, procuravam a solução, uma solução que talvez não existisse sem dor, uma teria que sofrer, ou talvez as duas. De uma forma ou de outra uma sofreria mais, então essa era a questão.
As duas estavam cada vez mais cansadas, até que um dia a xícara resolveu se mover, ela teria que fazer isso um dia, sentia por ter que magoar a menina, mais não tanto assim...
Então ela fez, ela fez e pulou. Pulou com todas as suas forças que foram reservadas pra esse momento. Algumas vezes ela tinha optado por tentar ficar, mais não era ali o seu lugar.
E enquanto caia, sentia-se livre, sentia-se nova e... feliz.
A menina acordou e viu a xícara espatifada no chão, não há palavras ou algum tipo de frase que chegue perto de demonstrar sua dor, finalmente estava acabado, acabou. A xícara se quebrou, se quebrou em mais de mil pedaços, a menina chorou, sentiu uma agonia indescritível, pensou até mesmo que àquela hora seria uma boa hora para morrer...
Mais ela não desistiu, a xícara também não, ela já estava inteira para outras pessoas, talvez já dentro de algumas ou apenas uma delas.
A menina tinha de ver todos os seus dias a xícara inteira para outros e a xícara quebrada para si mesmo, embora fosse a mesma xícara, sentia que não a reconhecia mais.
Ela sofria todos os dias, acordava querendo dormir, e dormia já querendo acordar.
Por anos e anos, a menina tentou juntar os mais de mil pedaços e consertar a xícara. Tudo bem se fisicamente a xícara aparentasse ser horrível, com cola e super bonder misturados com pequenas faixas de adesivos que mantinham cada pedacinho grudado, estava tudo bem para a menina se por dentro a xícara ainda fosse aquela que a fazia se sentir tão bem e... completa.
Mais nem todos os pedaços foram achados claro, faltavam algumas partes então não era a mesma coisa. A menina não sentia nada além do desespero de querer sentir.
E quanto à xícara, a xícara estava bem ao seu lado, estava tão feliz quanto nunca fora antes, ela experimentava líquidos e pessoas novas e gostava disso, não sentia falta da menina, mais sentia remorso por vê-la tentar consertar as coisas sozinhas, sentia mais remorso ainda, por não querer ajuda - lá. Mais logo o remorso passava e ela voltava a viver sua vida normalmente bem.
A menina durante todos esses anos tentando conserta – lá, não olhou uma vez se quer para o lado, ela não queria saber daquela xícara que amava tanto, aquela que estava inteira e feliz sem sentir sua falta como ela sentia.
Então um dia ela acordou e percebeu que estava muito cansada, a xícara percebeu isso também, não queria mais ter de olhar aquela cena lamentável, ela sentia pena da menina, apenas isso: Pena.
A menina olhou seu trabalho pela última e dolorosa vez, quase mil pedaços colados. “Cômico!“. Ela pensou. Aquilo nem parecia a sua xícara, e descobriu que tentar consertar o que está quebrado é praticamente inútil se você tem a intenção de querer que tal seja a mesma.
Então ela olhou para seu lado, mais ignorou os fatos que acusavam de que talvez a xícara estivesse dentro de alguém. Ela a olhou bem, como quem se despede de um pai ou uma mãe, ou talvez um irmão, consegue imaginar a dor?
Com uma voz fraquinha e baixa, quase um sussurro inaudível disse:
-Então é isso. Coisas que são quebradas uma vez, não podem ser consertadas. Caso eu esteja errada, sempre que consertamos algo, restam danos, e nunca, nunca volta a ser como antes.
A xícara concordou por dentro sem ter coragem de lhe falar, não queria causar mais dor aquela menina.
Então a menina pegou sua xícara quebrada e a jogou mais uma vez ao chão.
Dessa vez o barulho foi ensurdecedor e uma luz forte e brilhante encheu o cômodo cegando a menina e a xícara inteira ao seu lado.
Assim que a luz as deixou enxergar novamente, pôde-se ver o que sobrará da antiga xícara remendada.
Três ou quatro pequenas lascas de porcelana sem cor, a menina os fitou e percebeu o quanto fora fácil, não sentia, como achou que faria, que iria correr para o quarto e chorar noite e dia, até que alguém encontrasse seu corpo desnutrido e morto ao chão. Não! Ela não sentia isso, ela simplesmente não sentia nada.
Apenas sabia que afinal poderia ficar bem sem aquele alguem cuja algum dia fora o alicerse de sua vida, ela estava sozinha, ela estava sem seu par mais ficaria bem, finalmente bem.
A menina depois disso, parou para sempre de olhar para o seu lado, nunca mais viu a xícara e tão pouco sentia sua falta.
A xícara porém não ficou muito bem não, até hoje não se recuperou do choque de ter perdido a menina, afinal ela a amava também, só descobriu um pouco tarde, mais ainda assim... amava.
-Mais nada que com o tempo possa ser superado. – Pensou a xícara. Ela gostava de se fazer de forte, na verdade ela era realmente forte e logo esqueceria.
Até que aconteceu, ela parou e esqueceu. E ninguem nunca mais olhou para os lados, tudo estava bem.
E além de três ou quatros lascas, só o que sobrou foi o vazio de ambas, que nunca, de forma alguma poderia se repreencher outra vez. Jamais.